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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Espelhos modificados

Foto: Alexis Prappas.

Quem acompanha meu twitter (que é bloqueado por inúmeros motivos gente, dsclp, mas você pode dar follow request se achar que deve) sabe que recentemente eu trabalhei como assessora de imprensa de um concurso de miss

Antes de mais nada: sim, eu fiz cara feia, quando o gerente da redação (a.k.a Renato, o @filhodapauta) me perguntou o que eu achava de concursos de beleza. Achei que ele estava tirando a maior onda com a minha cara, e eu simplesmente disse o que eu achava: perda de tempo. Falta de carpir lote. Futilidade. 

E, passados dois meses, eu simplesmente agradeço ao universo por ter acesso a tantos mundos diferentes do meu, e assim, aprender gradativamente a julgá-los com menos severidade, com menos olhares de reprovação e de asco espontâneo. Dessa forma, eu reitero aos poucos a minha própria opinião, depois de viver aquilo. Sem deixar minha visão pessoal contaminar qualquer observação que tenho acerca. Só digo uma coisa: mais do que ser miss ou não, não é fácil ser mulher. Daqui a pouco eu explico. 

Se há poucos dias eu estava imersa em um festival de cinema LGBT, semana passada quase enlouqueci enquanto pensava em pautas sobre make up, hair stylist, vestidos e outros assuntos relacionados. Nada disso faz parte do meu mundo, de menina gorducha sem paciência pra beleza, mas eu fiz, mesmo que por pouco tempo, parte do mundo deles, como jornalista, assessora e observadora. 

O Miss Mato Grosso do Sul elegeu no dia 9 de agosto a moça que representará meu estado no Miss Brasil, e quem sabe, no Miss Universo. Mas antes disso, nós começamos o trabalho, primeiro, de divulgar que as seletivas para o concurso estavam abertas. Nessa etapa participei pouco, em função de outros trabalhos. Peguei o negócio muito mais quando estava próximo do evento. 

Meu primeiro grande choque foi conhecer a Miss Brasil, Priscila Machado, convidada para apresentar o evento. A moça é mesmo incrivelmente linda, e tudo nela é extremamente impecável. Então, durante uma entrevista que acompanhei, ela revelou que quase tudo em seu corpo passou por alguma intervenção cirúrgica: rinoplastia, lipoaspiração, silicone. Meu primeiro pensamento: "Cara, como assim?". Meu segundo pensamento: "Que droga de mundo". Sim, que porcaria de mundo onde a beleza ideal é alcançada, apenas por meio de bisturis e intervenções. 

No extremo oposto do mesmo concurso estavam as garotas daqui, as concorrentes daqui. Algumas já modelavam há alguns anos, outras vieram mesmo do interior e fizeram campanha entre parentes e amigos para arrecadar o dinheiro da inscrição. Do outro lado do ringue, elas não tinham modificações corporais, apenas sonhos de serem as mais belas. Muitas tímidas, de fala típica. Algumas mais tranquilas, outras com cara e perfil de terem nascido em berço de ouro. 

O segundo choque que me veio nesse turbilhão foi notar a expressão das moças durante o concurso, de alegria sustentada na cara pra agradar, tentativa de charme e personificação de beleza ideal. E olhar pra elas, e perceber que naquele momento, havia mais de 400 pessoas julgando todas elas, ao mesmo tempo. Elas, sujeitas a isso por um sonho e por vontade própria. Ao meu lado, comentários de "aquela ali é gorda demais para ser miss", "olha aquele nariz", e coisas do tipo. Meus julgamentos particulares acabaram aí. Aprendi a não julgar dessa forma tão... desumana, porque não consigo encontrar outra palavra pra definir os comentários que ouvi entre os corredores. 

Na minha cabeça, alguma coisa muito forte me dizia que elas eram algum instrumento social de objetificação, e que homem não passa por isso nem é julgado com tanta minúcia a ponto de ter de modificar seu corpo inteiro à base de faca (ou será que é e eu tô errada?). E que esse sonho todo, é apenas um prelúdio pra uma carreira onde vão mandar você se portar, se vestir, e ser do jeito que manda a moda, a tendência, o ideal inalcançável imposto pela indústria. E esse sonho é muito, muito triste. Mas eu penso isso, individualmente. Elas não são diminuídas pelo meu intelecto, nem eu pela beleza delas, ou pela forma que cada um usa o seu pra viver. A gente é igual, de qualquer forma. A gente é mulher. 

O que tirei desse trabalho, foi a seguinte frase, que ouvi da organizadora do evento, nossa cliente da assessoria de fato: "Tem que ter estômago pra enfrentar um negócio desse. E a menina que ganhar, mais ainda. E se ela não for inteligente nem tiver a cabeça boa, esse mundo acaba com ela". 

Acaba. Até seu reflexo no espelho muda. Um dia você deve acordar em meio ao glamour e não se reconhecer mais. 

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