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terça-feira, 27 de agosto de 2013

São outros discos

Acordo, abro os olhos e penso em falar tudo aquilo que engoli no dia anterior.

Acordo, abro a boca e olho tudo aquilo que eu nunca disse no ano passado. No ano retrasado. E nos últimos dez anos.

Desperto, sinto frio e medo e sei que tudo aquilo ficou guardado e que nunca saiu.

E tudo aquilo fermenta aqui dentro. Porque é assim e eu não sei ser outra.

E eu sinto que o dia, a chance, o instante, se foi. Se foi e eu não vou mais atrás, porque é assim também. Passou, eu deixei passar.

Eu deveria ter mandado aquele e-mail. Eu deveria ter interrompido aquela discussão. Deveria ter levantado a voz e dito: "Não, já basta. Eu não posso mais".

Eu deveria ter jogado a mesa para cima, mesmo sendo grudada ao chão. Deveria ter saído sem dar tchau outras vezes, deveria ter explodido, cobrado, me alterado. Deixado o choro de raiva vir à tona ao invés de socar o volante sozinha.

Deveria não ser controlada. Deveria ter aprendido.

Não deveria ter silenciado, e deixado ir. Deveria ter batido no peito, interpelado e dito: "Não, eu quero saber se eu fiz alguma coisa de errado, eu quero explicações, eu quero alguma resposta".

O momento se foi. Ele passou. Eu deixei ir. Eu deixei levar embora. Eu deixei tirarem de mim. Eu olhei, e olhei, e meus olhos disseram tudo mas na verdade a voz não saiu. Então dá no mesmo, o momento se foi.

E passou, passou. Não voltaria nem se eu quisesse. E se eu quisesse não iria voltar.  É outro momento e são outros discos. E são outras de mim mesma.

Esse instante acena para mim de longe, um navio que partiu, cacos no chão, sem volta, sem retorno. Nem começo. Só foi.

Acordo, abro os olhos. Já é outro dia e outro instante.