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quinta-feira, 19 de março de 2015

Escarlate não é vermelho

"Me ensine a ver as coisas
E todas as pistas estão, tão embaçadas, através
Escarlate não é vermelho"

Acordei com esse verso na cabeça. E ele não é meu. É de uma banda independente que fez parte de um jeito muito louco da minha adolescência: Torivas.

Me ensine a ver as coisas.

E hoje esse verso significa que eu tenho tanta coisa pra aprender na jornada. Mas agora é como se eu olhasse por uma janela e lá fora só fizesse neblina. Quando abri os olhos hoje e me lembrei desses versos, alguma coisa me incomodou. Talvez estar envelhecendo.

Vim procurar agora se essa banda ainda existia e não, não existe mais. Pararam de atualizar o Fotolog ainda naquela época. Mas ao ouvir os primeiros acordes de "Escarlate" um mundo de memórias veio na minha cabeça, de um tempo que eu não sinto exatamente saudades. Talvez de algumas coisas. Me veio um sentimento engraçado, de que eu vou fazer 26 anos. E eu quero gritar, tal qual eu gritava na minha banda, expurgando demônios a cada apresentação, independente de ter plateia.

Sei lá. Talvez esse loop em que eu me encontro de volta e meia relembrar um tempo que não volta mais seja uma parte do meu desabafo de finalmente estar do lado de cá, na vida adulta.


Me ensine a ver as coisas...







quinta-feira, 5 de março de 2015

A publicidade brasileira não se garante

No dia 12 de fevereiro, a Revista Fórum publicou um artigo sobre a última publicidade machista do mês: das sopas Vono. Essa semana a discussão toda estava ao redor da propaganda da Always onde Sabrina Sato comparava o “vazamento” da menstruação (quem nunca?) com o “vazamento” de vídeos íntimos na internet. Só que nunca.

As pessoas ficaram bem bravas. E com razão. Entre outras questões, a propaganda fez o que tem sido feito no Brasil à exaustão: culpou a vítima.

Eu trabalhei dois anos numa agência de publicidade e jornalismo, mas as redações eram juntas e hoje eu trabalho diretamente com um publicitário. Sempre admirei o trabalho dos diretores de arte, redatores, mídias e atendimentos. Acho um trabalho tão árduo quanto o de muitos jornalistas que eu conheço. Por isso eu aprendi o seguinte: publicidade machista não é culpa só da agência de publicidade.


Uma campanha passa por NO MÍNIMO três pessoas: o atendimento, o diretor de criação e o cliente. Isso se a agência for pequena. Em grandes agências  deve passar por umas 30 pessoas. Mas o fato é que existem conceitos a serem mudados de todos os lados. A agência precisa se despir de machismo e preconceito na hora de criar ou sugerir uma campanha e precisa sim pensar no impacto negativo que isso vai ser gerado depois que ela for ao ar. Hoje a internet não poupa ninguém. Mas o cliente precisa entender que publicidade burra e preconceituosa muito mais atrapalha do que ajuda.

No Brasil, a publicidade não se garante. E é por isso que propagandas de cerveja com mulher seminua continuam sendo feitas. Não é porque vende. A publicidade tem medo de deixar a campanha padrão-machista de lado e investir em outro conceito e fracassar. Mas o que ela não percebe é que essa falta de coragem já é um fracasso por si só.

A publicidade tem poder de emocionar, de tocar, de abrir horizontes e de despertar emoções. De fazer rir mas também de incomodar. E mesmo assim as mulheres continuam sendo meros objetos decorativos e sexuais. Isso quando a propaganda não faz apologia à dominação e ao estupro. Em um mundo onde uma maioria esmagadora de consumidores é do gênero feminino e onde os índices de violência feminina são alarmantes, a publicidade continua tendo medo de empoderar as mulheres.



Um trecho muito pertinente do artigo da Fórum sobre a propaganda da Vono: "Aliás, falar na linguagem do capitalismo às vezes é a melhor alternativa que as mulheres possuem para que sejam ouvidas. Afinal, mulheres também bebem cerveja, compram sopa em pó, consomem e pagam por produtos e serviços. Em muitos casos, as mulheres ainda são responsáveis pela feira da semana ou do mês e são elas que se deslocam até supermercados para escolher o que vão colocar na mesa. Parece lógico, mas no mundo da publicidade, só quem recebe o devido respeito é o público masculino, em detrimento das mulheres, que são constantemente hostilizadas e agredidas em propagandas misóginas".

Se o mundo é metade feminino, porque a publicidade brasileira é tão machista? Se nós consumimos cerveja, porque estamos nuas nas propagandas? Porque somos vendidas como meras donas de casa ou objetos sexuais segurando uma garrafa? Porque, meus queridos, a propaganda é a alma do negócio. Enquanto a publicidade vender que somos seres inferiores, tem muita gente que vai acreditar e continuar alimentando o monstro do machismo. Simples assim. A publicidade tem medo das mulheres.

Isso só mostra que estamos no caminho certo. Mas ainda existe muito a se fazer.

Outros links pra se ler: 
Dez propagandas históricas machistas
Mídia Feminista
O machismo que impregna a propaganda

segunda-feira, 2 de março de 2015

Callas, essa maravilhosa

Há algumas semanas, o caderno que eu edito no jornal ficou em polvorosa com a chance de entrevistar uma atriz maravilhosa, diga-se de passagem: Silvia Pfeifer. Quem assiste ela na novela das sete como vilã, hoje, não imagina a simpatia que ela é. Uma pessoa centrada, acessível, que, como diz a minha estagiária Lua, ganha em todos os níveis de maravilhosidade. A Silvia veio pra cá pra estrelar a peça "Callas", baseada na vida trágica da soprano grega Maria Callas, que morreu nos anos 70. 

Resolvi ir assistir já antecipando que seria uma peça daquelas boas. E de fato, foi. A Silvia, incrível, o cenário extremamente elegante e bonito, iluminação surpreendente e sensível. Em quase uma hora de montagem, você tem a oportunidade de conhecer mais sobre uma cantora que fez história na ópera mundial, e que teve uma trajetória cheia de problemas pessoais e profissionais. 

Foto: Marcelo Victor

O enredo se desenrola, curiosamente, como se fosse uma enorme entrevista jornalística daquelas que só repórteres próximos à fonte fariam, já que, na sinopse, o jornalista John, personagem fictício, convida Callas para conhecer uma exposição que fará sobre ela e aproveita para entrevistá-la. Só que, nesse momento, a intensidade e a dramaticidade de uma história real acabam dominando a história. Em determinado ponto, John (o jornalista) vira o entrevistado pela curiosa Callas, que, nesses momentos, deixa a amargura pessoal de lado para fazer perguntas. Mas John foge e recomeça a tocar nas feridas dela. 

A peça me fez refletir não só sobre a história de uma mulher imensamente forte que passou por muitas coisas ruins como uma mãe opressora, a cobrança de ser a melhor cantora do mundo, o casamento sem amor e depois o amor que se casa com outra, o filho que é natimorto, as críticas pesadas da imprensa. Tudo isso pelo amor à música e ao seu público, que ela cultivava com apreço. A maior reflexão que me trouxe foi sobre a relação fonte-repórter

Callas cita, em vários momentos, sua relação de amor e ódio com a imprensa. Muitas vezes, jornais italianos e franceses usaram sua rixa famosa com a cantora Renata Tebaldi, para vender exemplares. E essa pisoteação fazia sucesso. Maria Callas não confiava na imprensa. Mas amava estar nela quando era ovacionada. Nem sempre nosso papel é destruir carreiras ou humilhar, mas revendo a situação dos jornais na época que Callas viveu, muitas vezes isso era serventia da casa. A cantora teve o azar de ver a imprensa em sua face mais grotesca.  

E, quando Callas diz à John que foi execrada pelos jornais porque "abandonou o espetáculo mais uma vez", com manchetes e letras garrafais, ela se vira para o amigo, e diz: "minha voz estava acabada, John". Na biografia dela, é contado que ela desmaiou de exaustão e pela dor da voz há muito perdida atrás das cortinas. Que se fecharam pra sempre.

Momento tietando a Silvia <3